Fugas/z
A monotonia nos milhões de escritórios espalhados pelo mundo é a mesma em qualquer parte: hora para entrar, hora para sair, cartão-ponto para marcar qualquer hora, computador, e-mail, telefone, reunião, almoço, cubículo, sono, cadeira desconfortável, chefe, burocracia e mais uma infinidade de pequenas coisas que se repetem dia após dia no animado mundo corporativo. Para quebrar essa chatice sem fim, os humanos de escritório inventaram algumas válvulas de escape para matar o tempo e até se divertir um pouco. Entre as mais famosas podemos citar: demorar belos trinta minutos no banheiro, tomar cafezinho de hora em hora, sair na rua para fumar, utilizar as mil funções do smartphone, fofocar com colegas aleatórios, explorar os cantos mais obscuros da internet, marcar consulta médica para o meio da tarde, fazer lanches durante o expediente, telefonar para os parentes e aquela que vamos focar hoje, arranjar um namorinho na firma.
Negada por todos, praticada por muitos, a paquera corporativa dá fôlego ao emprego sufocante, por ela é que se aguenta um pouco mais a aporrinhação da supervisora, os chiliques do presidente, a carga horária máxima e o salário mínimo. Mas não se engane, não é paixão ou o tão procurado amor, é só uma maneira de fugir da sua vida de merda, buscando tesão em algo que definitivamente não é o seu emprego. Pegue sua lupa e acompanhe o exemplo que segue, observaremos Patrícia e Reinaldo, colegas de serviço na Gráfica Expresso Macedo:
Oito e quinze, Reinaldo está atrasado. Sobe correndo as escadas, entra na sala, cumprimenta os quatro colegas com um “olá” geral e senta em sua mesa. Entre ligar o computador e pegar seu café, manda uma mensagem para o celular de Patrícia:
“Cheguei, saudade”
Patrícia chegou mais cedo hoje, não era dia de lavar a cabeça e o ônibus incrivelmente passou no horário. Quando recebe a mensagem, esboça um sorriso e escreve:
“Vou passar as próximas duas horas na sala da impressora grande”
Lido os e-mails, feitas algumas ligações, comentado o futebol do final de semana, está na hora de Reinaldo ser feliz. Desce dois andares e adentra a sala da impressora grande. Por cinco minutos carícias são trocadas, palavras sussurradas e os corações batem acelerados. Reinaldo volta para sua mesa, revisa os e-mails, entra no site de notícias, toma mais dois cafés e aguarda ansiosamente a hora do almoço, pois a fome chegou faz tempo.
Terminando sua importante tarefa na sala da impressora grande, Patrícia desiste de jogar Candy Crush, pois passar o nível 97 é praticamente impossível. Ainda precisa pegar uma assinatura do chefe e fazer o pedido de material, antes do meio-dia.
Três da tarde, Patrícia termina de conversar com a recepcionista e vai ao banheiro. Depois do xixi, ao olhar no espelho, faz biquinho e se acha sexy, com as duas mãos desarruma o cabelo e novamente aprova o resultado. Hoje está bonita. Abre a blusa, muda a câmera do celular para frontal e tira uma foto. Envia para Reinaldo com o título:
“Gosta?”
Reinaldo abre a foto e sorri. Estava pensando nela enquanto mantinha o olhar fixo numa planilha qualquer de Excel. Bloqueia o celular, coloca na mesa. Pega o celular, desbloqueia, olha a foto mais uma vez e apaga. Responde com um emoji de carinha amarela salivando, três coraçõezinhos e a frase:
“tu me mata”
Cinco da tarde. Patrícia bate o ponto e vai embora. Reinaldo está em reunião com o chefe.
Amanhã tem mais, em todos os escritórios espalhados pelo mundo.
Comentários