Outra Vida

Alaor sentou para assistir televisão, precisava relaxar do dia pesado. Trabalhar como motorista de madame estava cada vez mais difícil, tanto pelo trânsito quanto pela madame. Riu bastante com seu seriado favorito, vibrou com os gols da rodada, acreditou nas notícias do jornal e foi fazer uma pipoca para assistir a estreia do novo reality show de música.

O apresentador chamou a primeira banda, que começou tocando bem, o vocalista tinha bons agudos e uma voz anasalada. Depois da banda veio um projeto de cantor sertanejo, com a voz média e uma música brega, obviamente foi classificado. Algumas apresentações passaram e entrou no palco a banda Sinhá Nunca, três caras e um som medonho, difícil saber se era bom ou ruim, era só estranho. Alaor tentava entender o que a letra dizia quando a câmera fechou um close no baterista, um homem de aproximadamente quarenta anos, barba por fazer, meio grisalho, com tatuagens no pescoço e uma euforia arrebatadora. Aquele rosto era familiar para Alaor, que tentava buscar rapidamente em seus arquivos da memória quem seria. Não era ninguém famoso, era conhecido mesmo, da vida. Foi então que Alaor reconheceu, deu um grito abafado, segurou o peito com a mão direita e caiu estatelado na frente do aparelho televisor.

Cuspido e escarrado, era ele. Sem tirar nem por, era ele. Alaor estava em dois lugares ao mesmo tempo. Alaor tinha duas vidas, tão distintas, que uma nem sabia da outra. Tinha, pois agora Alaor morreu, ou já estava morto e não sabia.

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